A pós-verdade como estratégia de campanha
- Ele Disse
- 19 de out. de 2018
- 4 min de leitura

Por Ana Tereza Moraes
Nas eleições de 2018, o Brasil presencia um fenômeno de proporções nunca antes imaginadas. Em plena campanha eleitoral, as notícias falsas se espalham como uma doença altamente contagiosa e enganam eleitores de todos os lados. Entre os principais beneficiados - indiretamente ou não - está o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro. De uma forma ou de outra, boa parte do conteúdo enganoso que tem circulado pelas redes sociais - sobretudo pelo WhatsApp - é positivo sobre ele ou danoso para os seus maiores adversários.
De acordo com um relatório da Agência Lupa, feito a pedido da UFMG e da USP e publicado no New York Times, das informações contidas nas 50 imagens mais compartilhadas no WhatsApp entre 16 de agosto e 7 outubro, apenas quatro eram verdadeiras. A maioria não citava diretamente os candidatos na disputa presidencial, mas reforçavam ideologias e crenças ligadas ao candidato do PSL e seu seu eleitorado.
No conteúdo analisado, destacam-se as montagens nas quais políticos como Dilma Rousseff, Lula, Fernando Henrique Cardoso e José Serra, são associados ao comunismo - regime político duramente criticado por Bolsonaro e quem o apoia. Além disso, circulavam dados positivos e errôneos sobre a ditadura militar brasileira, a qual o ex-deputado, que também é capitão da reserva, já defendeu e exaltou abertamente.
FÓRMULA DA PÓS-VERDADE
As chamadas fake news, no geral, parecem seguir uma fórmula básica para tentar se vender como verdades absolutas: costumam ser apelativas às emoções e ideologias do 'público alvo', servindo como uma espécie de 'confirmação' para suas crenças. O método, por sua vez, se encaixa perfeitamente no conceito de pós-verdade.
Pós-verdade: descreve uma situação na qual, durante a criação e a formação da opinião pública, os fatos objetivos têm menos influência do que os apelos às emoções e às crenças pessoais - Oxford Dictionaries
O termo foi eleito como "palavra do ano" pelo dicionário em 2016, ano das eleições presidenciais americanas, depois do uso da palavra crescer 2000% na cobertura política dos Estados Unidos. Em entrevista ao UOL, naquele ano, Eugênio Bucci, jornalista e professor da Escola de Comunicação e Artes da USP (Universidade de São Paulo), avaliou que, na era da pós-verdade, o eleitor toma cada vez mais decisões baseadas em sentimentos, crenças e ideologias:
"A ideia contida aí é relativamente simples: a política teria rompido definitivamente com a verdade factual e passa a se valer de outros recursos para amalgamar os seguidores de suas correntes. É como se a política tivesse sucumbido ao discurso do tipo religioso e se conformado com isso".
Casper Grathwol, Presidente da Oxford Dictionaries, compartilhou da mesma linha de pensamento em uma declaração dada na época ao jornal Washington Post: "Dado que o uso do termo não mostrou nenhum sinal de desaceleração, eu não ficaria surpreso se 'pós-verdade' se tornasse uma das palavras mais definidoras dos nossos tempos."
ESTRATÉGIA
Naquele ano de eleições, Donald Trump passou a aderir uma estratégia semelhante ao que faz o candidato do PSL à presidência no cenário nacional. Ambos tentam desmerecer a mídia tradicional, acusando-a de estar em um complô de distribuição de mentiras contra suas candidaturas, e apelam à emoção dos seus simpatizantes para convencê-los de que essa teoria é real - tal como a definição de pós-verdade prevê.
O atual presidente dos EUA, por sinal, repetia incansavelmente as palavras 'fake news' durante a campanha, sempre em tom de acusação aos seus adversários e à imprensa. A estratégia, apesar de considerada absurda pelos opositores, deu certo e garantiu a vitória ao empresário, além de colocar de vez no mapa a discussão acerca do tema.
O gráfico do Google Trends mostra que as buscas pelas palavras "fake news" tiveram um boom a partir de novembro de 2016, mês que consagrou Trump como vencedor da corrida eleitoral americana.
A estratégia de ambos, por sinal, não difere muito do que fizeram os regimes autoritários do século XX, os quais violavam a verdade respaldados pelo fato de que o cinismo, o cansaço com o sistema político e o medo podem tornar as pessoas suscetíveis às mentiras e falsas promessas de novos líderes. Como descrito no livro ‘As origens do totalitarismo’, de 1951, da autora Hannah Arendt:
“O tema ideal do governo totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas pessoas para quem a distinção entre fato e ficção (ou seja, a realidade da experiência) e a distinção entre o verdadeiro e o falso (isto é, os padrões de pensamento) não existem mais.”
Paradoxalmente, além de acusar a imprensa de distribuir mentiras, o próprio Jair Bolsonaro, tal como fez Trump, dissemina informações enganosas a torto e a direito. No caso do presidente americano, segundo uma apuração feita pelo Washington Post, em aproximadamente 600 dias de governo o magnata já havia dado mais de 5 mil declarações falsas ou enganosas.
Já quanto o capitão da reserva, que também utiliza as redes para disseminar informações insustentáveis, o caso mais notável de fake news é o do infame 'kit gay', uma das suas principais bandeiras desde 2011. Numa tentativa tardia de tentar pôr fim à bola de neve criada pelo ex-deputado, o Superior Tribunal Eleitoral (TSE) determinou, no dia 16 de outubro, que todos os vídeos fazendo menção ao livro Aparelho Sexual e Cia., atribuindo-o ao seu adversário, Fernando Haddad (PT), deveriam ser removidos do Facebook e do YouTube do candidato do PSL, devido ao conteúdo distorcido presente neles.
Importante destacar ainda que a desinformação distribuída pela família Bolsonaro - composto o pai e seus três filhos políticos - não se limita apenas ao ‘kit gay’. Em outras ocasiões, o candidato mente na tentativa de jogar para debaixo do tapete um passado marcado por frases polêmicas e preconceituosas, relacionadas, sobretudo, aos homossexuais, aos negros e às mulheres. Veementemente, o ex-militar nega que seja homofóbico, racista ou machista e não admite que já deu declarações como “ter filho gay é falta de porrada”, “não servem mais nem pra procriar [referindo-se a quilombolas]” e “eu não empregaria homem e mulher com o mesmo salário”.
Apesar das incontáveis contradições em que cai e das inverdades que espalha, Jair Bolsonaro tira proveito máximo da onda da pós-verdade ao seduzir seu eleitorado pelo lado emocional e ideológico. No caso de um dos seus guias eleitorais veiculados no segundo turno, o candidato do PSL destaca como lema a frase presente na Bíblia em João 8:32: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Com isso, apela às crenças da parcela mais religiosa da população e ainda surfa na repercussão das notícias sobre fake news, pondo-se como uma espécie de herói nacional pautado pela honestidade.
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