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Análise: como a mídia tradicional vem atuando nas eleições do país desde a redemocratização

Atualizado: 19 de out. de 2018



Reprodução/ Internet

Por Rebecka Santos

Neste mês de outubro, a população brasileira enfrenta uma eleição para presidência atípica, polarizada e injusta. Desde a redemocratização do país, o medo de uma regressão no nosso sistema democrático não assolava parte da população de forma tão intensa. O resultado do primeiro turno materializou esse cenário e prosseguiu neste segundo turno com mais força. De um lado temos um candidato democrata, com discursos coerentes e propostas concretas. Do outro, temos o autoritarismo, discursos violentos e excludentes, e propostas pouco trabalhadas.


Desde as eleições diretas de 1989, sabemos que a mídia tradicional desempenha um papel decisivo para o resultado final e, consequentemente, atinge diretamente a democracia nacional. Em 1989, havia um grande desgaste político devido ao fim do regime militar, precedido pelo movimento Diretas Já. Collor pegou carona nesse momento, com a ajuda da mídia hegemônica, que teve seus interesses empresariais completamente assegurados pelo seu programa, e conquistou seu eleitorado. A Veja e a IstoÉ publicaram capas com a foto de Collor denominando-o “O Caçador de Marajás”. O Estado de S. Paulo diariamente divulgava matérias anti-PT, caracterizando-o como antidemocrático e atrasado. Já a Rede Globo distribuiu tempo desigual para os candidatos, mantendo Collor com 21,5% do tempo, segundo a Datafolha. Além disso, houve uma edição no debate entre Collor e Lula no 2º turno, de modo a deixar os melhores momentos de Collor e as piores respostas de Lula.


Em 1994, foi a eleição do Plano Real. A mídia atuou em todos os episódios políticos anteriores à data, destacando-se com uma participação ativa no impedimento de Collor. Quando surgiu a candidatura de Fernando Henrique Cardoso, os veículos a defenderam ferozmente referenciando-o como o “pai” do Plano Real; obtendo uma ajuda também de parlamentares progressistas que, em razão da preocupação deixada pelo jogo protagonizado pelo horário eleitoral de Collor em 1989, buscaram mudar a legislação eleitoral, resultando em uma série de limitações ao uso da mídia pelos partidos e candidatos. Quem sistematizou esse cenário foi Márcia Vidal Nunes no texto “O jornal Folha de São Paulo e a sucessão presidencial de 94”, no qual afirmou que essa situação acabou imprimindo à cobertura jornalística da mídia, que assumiu um caráter publicitário em defesa do candidato governista, um poder ainda maior.


Até 1998, houve uma ausência quase completa das campanhas políticas nos jornais. O silêncio garantia a equidade entre os candidatos e mantinha a mídia fora de grandes situações como em pleitos passados. Mas com a possível reeleição de FHC, os veículos, mais uma vez, se esforçaram em manter o seu compromisso com os setores dominantes. Mesmo em um cenário econômico de completo caos devido à crise do Plano Real, o então presidente candidato contou com a vantagem de poder se colocar muito mais vezes no espaço midiático do que os outros adversários, em razão das relações estreitas construídas desde 1994.


Nas eleições de 2002, a atuação midiática se intensificou desde os momentos que antecederam o processo eleitoral. Os candidatos receberam um tempo muito maior de exposição, com entrevistas longas e tempo rigorosamente cronometrado. Houve debates nas emissoras e pouca desigualdade entre o tratamento dos políticos e partidos. Entretanto, segundo Rubim Colling, “a superexposição não significou necessariamente transparência. A cobertura não contemplou nem uma pluralidade de interpretações da realidade, nem uma ausência de intervenção posicionada unilateralmente da mídia, que em lugar de uma manipulação ofensiva, como em 1989, realizou em 2002 um sutil controle das candidaturas, dos temas e, em especial, das interpretações que veicula sobre eles.”


A derrota da mídia


Já 2006, foi considerado o ano da derrota da mídia. Observou-se no impresso um desequilíbrio entre a cobertura dos principais candidatos a presidente da República e a do então presidente Lula, atribuindo-o mais matérias negativas. Essa cobertura desigual atingiu seu ápice às vésperas da realização do 1º turno, quando um delegado da Polícia Federal fez, de forma duvidosa, fotos do dinheiro apreendido com pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores para a compra de um suposto dossiê que incriminaria o PSDB na aquisição fraudulenta de ambulâncias na época em que José Serra era ministro da Saúde.


O delegado convocou jornalistas da grande mídia para acertar clandestinamente a versão a ser dada para associar o caso ao Partidos dos Trabalhadores (PT). Então foi se afirmando, nesse período, um forte antilulismo, expresso no tipo de reportagens realizadas. Segundo investigação da OBM/MWG-Brasil, Lula foi o candidato mais citado nas colunas dos principais jornais e também o que recebeu maior número de abordagens negativas desses colunistas. Vale salientar que foi nesta disputa que os sites e os blogs aumentaram sua importância no debate eleitoral e a credibilidade da grande mídia foi colocada em questão.


Em 2010, estudos apontam que à medida em que a campanha ganhava intensidade, aumentava-se também a visibilidade dos principais candidatos ao cargo de Presidente da República, medida a partir da média das aparições do nome de um ou mais dos concorrentes. Comparado a 2006, os gráficos mostram um maior equilíbrio da cobertura realizada pelos três jornais. Contudo, os modelos estimados com os dados do Estudo Eleitoral Brasileiro mostraram que, em grande medida, elas foram mais favoráveis à Serra do que a Dilma.





Na eleição de quatro anos atrás, a mídia continuou sendo a oposição. Por iniciativa do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, foi criado o manchetômetro, o qual concluiu que os dois principais candidatos a presidente foram objeto, nos veículos, de 275 reportagens de capa desde o início de 2014. Aécio Neves, de 38, com 19 favoráveis e 19 desfavoráveis. Tamanha neutralidade equidistante cessa com Dilma: ela foi tratada em 210 textos de capa. Do total, 15 são favoráveis e 195 desfavoráveis. Ou seja, 93% de abordagens negativas. Pouco depois da reeleição de Dilma, o cenário de impeachment foi ainda mais inflamado com a ajuda da cobertura jornalística. Reportagem rasas, pouca discussão sobre os reais motivos do pedido, provocação para a sociedade civil ir para às ruas, depoimentos conservadores, aliviamento para Eduardo Cunha…


Redes sociais e ZAP


Nesta eleição de 2018 a mídia tradicional perdeu sua força definitivamente e ganhou corpo nas redes sociais, mais especificamente no WhatsApp. Porém, vale pontuar a atuação de quem sempre foi o carro chefe nessa disseminação de conteúdo e formação de opinião até o dia da publicação desta análise.


A Rede Record, do pastor Edir Macedo, não esconde seu posicionamento nem faz questão de tal. No último debate, na véspera da votação do 1º turno, a emissora entrevistou o candidato Jair Bolsonaro e dedicou longos minutos para ele, no mesmo horário em que estava acontecendo o debate na sua maior concorrente, a Rede Globo. No seu portal de notícias, o Portal R7, a emissora não exita em publicar exclusivamente notícias positivas sobre o candidato do PSL e outras mornas sobre o restante das candidaturas. Relatos de jornalistas da redação da emissora alegaram que estão havendo encomendas, para comprometer a imagem de candidatos derrotados no primeiro turno, que apoiem Fernando Haddad. As matérias positivas sobre o petista não são chamadas no site nem nas redes sociais.


O Estadão, na briga pelo poder, já escolheu o seu lado também. Às vésperas das eleições do 2º turno, o jornal publicou uma matéria em que a manchete diz “Gestão Haddad pagou R$245 milhões em contratos sob suspeita”. Entretanto, no desenrolar da notícia, não existe nenhuma informação nova ou relevante. Pagou-se a dívida da cidade, feita por um prefeito anterior (obrigação de Haddad enquanto prefeito em vigência, inclusive) e quando possível, os contratos foram suspensos por decisão administrativa, no segundo mês do mandato do petista.


Segundo outros depoimentos de jornalistas, a rede Bandeirantes também está obrigando seus redatores a publicarem apenas notícias positivas sobre Bolsonaro e negativas sobre Haddad. A IstoÉ pouco antes do 1º turno, publicou uma capa com a foto do candidato do PT, de forma obscura, com o título “Haddad: o candidato com 32 processos”. Em contraponto, a revista também publicou uma capa dedicada ao candidato do PSL, porém, um mês antes, sobre as suas fake news.


Enquanto isso, a Veja dedica sua atenção a Bolsonaro, mas de uma forma negativa. Neste mês de outubro, duas das três capas publicadas falavam exclusivamente sobre o presidenciável do PSL. Uma é o processo que sua ex esposa o acusou de furtar um cofre de banco, ocultar patrimônio, receber pagamentos não declarados e agir com “desmedida agressividade”; a outra saiu ontem, após a pesquisa do Ibope, no qual Jair Bolsonaro aparece com 59% dos votos válidos. A revista colocou uma foto do político com uma faixa presidencial, uma boina do exército, as mãos fazendo o sinal de arma e o título “Será isso mesmo?”. A outra capa deste mês foi intitulada “Duelo da Insensatez”, referindo-se a ambos candidatos como “retrocessos para o país”.


Exclusividade


No rádio, a Jovem Pan concedeu 26 minutos de entrevista ao Bolsonaro, beneficiando-o exclusivamente na corrida presidencial. No canal por assinatura GloboNews, a cobertura ganha um tendência mais neutra, com comentários feitos no programa dedicado ao cenário intitulado “Central das Eleições”. Na emissora mais influente do nosso país, a Rede Globo, mais uma vez, depois dos episódios do impeachment da ex-presidente Dilma e a grande onda de críticas que vem recebendo desde então, a cobertura jornalística sobre esta eleição está mais equilibrada. A emissora provavelmente entendeu a delicadeza da situação. Entretanto, seu antipetismo fica visível quando na sabatina do Fernando Haddad antes do 1º turno, o candidato quase não conseguiu responder sobre suas propostas e foi interrompido várias vezes.


Contudo, a influência da mídia hegemônica, assim como em 2010, está sendo quase que desconsiderada nesta disputa eleitoral. O que chega nos smartphones do brasileiro está determinando fortemente os resultados das eleições de 2018. Se aprofundarmos nas razões que contribuíram, e ainda contribuem, com este fenômeno de crescimento e força de uma “nova mídia” e uma nova plataforma para disseminar informações, como o WhatsApp, visualizamos como o jornalismo caminhou para este cenário. Destrinchar esse capítulo da história do jornalismo merece atenção na nossa próxima reportagem.


Mas, dessa forma, podemos dizer que novamente a mídia atua com desserviço à população. Vezes equilibrada, vezes posicionada, mas nunca com o interesse público em primeiro lugar. Analisar como vem funcionando o jornalismo e exigir uma redemocratização e regulamentação da mídia é de extrema importância. Inclusive, isso deve começar na visualização e validação de propostas para a comunicação nos planos de governos dos candidatos a presidência do país.



Referências bibliográficas


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